Blogueira derruba os clichês que todo bissexual já ouviu

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Renato Russo já cantava: “E eu gosto de meninos e meninas” (Thinkstock)

A jornalista Amanda Camasmie, de 30 anos, namorou oito anos um cara e foi muito feliz. Cinco anos e meio atrás, casou com Raquel. Amanda não está “confusa” nem “experimentando”, clichês que todo bissexual como ela já ouviu. Quem define sua orientação sexual dessa forma costuma enfrentar preconceito hétero e homo. São taxados de ir “contra a natureza” e de “não sair do armário, ficar em cima do muro”.

Amanda se deu conta de que sentia atração por meninas aos dez anos, mas somente aos 25 teve a primeira experiência com uma – o beijo de uma amiga. Reprimiu por muito tempo o desejo e, mesmo depois de começar o relacionamento com a esposa, ainda se percebia constrangida de falar abertamente sobre o assunto. Desde 2011, quando criou o Blog SouBi, passou a receber e-mails diários: desabafos, desilusões, longas histórias de amor, sofrimento e todo o tipo de confissão”. Por isso, convidei Amanda para derrubar seis ideias batidas sobre a bissexualidade.

TODO BISSEXUAL…

- “Está confuso, numa fase de experimentação”

AMANDA - Quando nos permitimos, estamos todos sempre experimentando. Uma mulher heterossexual pode experimentar apenas um homem por toda a vida - ou muitos deles. Assim como um homossexual. Fazer essa experimentação com ambos os gêneros não é confusão. Isso se a atração, a paixão e o amor são genuínos. O problema dos rótulos é que precisamos justificá-los a todo o momento. Aos que se atraem por homens e mulheres foi dado o título de bissexual, mas essa “caixinha” também pode trazer uma limitação na experimentação. Os estudos de gênero desconstruíram o conceito binário (homem e mulher) colocando luz aos transgêneros e intersexuais (conhecidos como hermafroditas). Se eu me apaixonar por um intersexual, gosto de um homem, de uma mulher ou ambos de uma só vez? Entender que o gênero não se divide em homem e mulher trouxe um novo “rótulo”: a pansexualidade. O que ela significa? Que todos os gêneros estão incluídos no campo do desejo. O pansexual pode se interessar por homens, mulheres, trans, intersexuais, enfim, por todo e qualquer ser humano. Então, se existe alguma confusão na bissexualidade é essa. A nossa sexualidade é muito mais ampla e complexa do que a definição que damos a ela. Ou seja, a nossa experimentação pode ser muito mais rica e elástica.

- “Tem medo de se assumir homossexual e lidar com o preconceito”

AMANDA - Se fosse por medo de lidar com o preconceito, seria mais “cômodo” ser hetero de fachada. O que me surpreende é que esse julgamento também é feito por alguns homossexuais. Já deveríamos ter absorvido a frase mais clichê de todas: “não escolhemos o que sentimos”. Outro dia, estava conversando com uma pessoa que sabia do meu casamento com uma mulher. E ela, sem saber que eu tinha um blog bissexual, disse naturalmente: “Eu não tenho preconceito contra homossexuais. O problema é quando tem aquelas pessoas que querem ficar com homem e com mulher e não se decidem. Ou é uma coisa ou é outra”. Será que sofremos mesmo menos preconceito que um homossexual?

- “Sempre topa um ménage à trois, adora sair com casais”

AMANDA - Considerar que todo bissexual pode participar de um ménage à trois é o mesmo que acreditar que toda mulher heterossexual gostaria de transar com dois homens ao mesmo tempo. A atração por ambos os sexos não significa que ela aconteça ao mesmo tempo. E também precisamos parar com esse falso moralismo. Muitas mulheres heterossexuais, por curiosidade, fazem ou adorariam fazer um ménage à trois, enquanto muitas bissexuais não topariam de jeito nenhum. E não há nenhum problema em querer ou não esse tipo de experiência.

- “Trai mais, porque não consegue ficar apenas com um gênero”

AMANDA - Não preciso nem citar estudos. Quantas pessoas heterossexuais você conhece que traem? E homossexuais? A traição não tem relação alguma com a identidade sexual. Admitir que podemos nos apaixonar por ambos os sexos não significa que sentiremos falta de um deles quando começarmos a namorar ou se casarmos. A não ser que essa pessoa não consiga conviver com a monogamia. E novamente: isso pode acontecer com heteros, homos, bis, pans e seja lá qual rótulo estivermos falando.

- “É poligâmico e se apaixona por duas pessoas ao mesmo tempo”

AMANDA - Esse é um importante debate. A poligamia, que é vista com extremo preconceito ainda, pode fazer parte de qualquer ser humano. Reforço que a identidade sexual nada tem a ver com a postura e estilo de vida. Conheço mais bissexuais monogâmicos do que o contrário. E muitos heterossexuais querendo conhecer mais esse conceito poligâmico ou o poliamor, que tem se tornado mais popular. Há tempos, muitas pessoas vêm se questionando porque estão apaixonadas por duas pessoas ao mesmo tempo e, pasmem, muitas delas não são bissexuais. De novo, precisamos tirar as pessoas dentro das “caixinhas” de estereótipos.

- “Escolheu ser bi porque dobram as chances de transar”

AMANDA - Eu me identifico bi e sou casada há cinco anos e meio com uma mulher. E namorei um homem por quase oito anos. Não vejo como a bissexualidade pode ter sido “uma escolha” para dobrar as minhas chances de transar. Aliás, se assumir bissexual podem diminuir as chances. Os homens podem ficar inseguros - ou imaginar que estaremos a todo momento querendo um ménage à trois, o que certamente nos afastará deles, e as mulheres terão medo de serem trocadas por alguém do sexo masculino por julgarem que elas não poderão nos satisfazer completamente. Fazendo as contas, talvez as chances fiquem até menores.

*Nathalia Ziemkiewicz, autora desta coluna, é jornalista pós-graduada em educação sexual e idealizadora do blog Pimentaria.